segunda-feira, 28 de julho de 2008

Face

"Se o que eu sou é também o que eu escolhi ser,

aceito a condição."

Los Hermanos - O Velho e o Moço




Tenho me buscado em todos os meus rostos.

Naquele do riso estampado pelo algo vagamente rememorado com cores incertas. No outro, fechado, anuviado pelo desassossego, sulcado pelo amargor dos desaprumos. Na pele lisa da minha juventude que se desapercebe do galope insano do tempo, nas rugas escarificadas – invisíveis, porém perceptíveis – que me foram impostas ao longo do caminho em direção a mim mesma. No vinco da testa, nos cantos da boca, na ponta da língua, na ascensão atrevida do meu nariz, no rastro da lágrima que um dia percorreu-me e cujo gosto salgado ficou-me tatuado.

Tenho buscado meu rosto; e o faço para imprimir-lhe o desenho da minha identidade, e transfigurá-lo de argila informe a retrato fiel e inequívoco daquilo que sou. E nele se revelarão todas as paixões, quimeras, angústias, vontades – e todas as minhas verdades estarão à tona na sua superfície recém esculpida, transbordante dos meus detalhes e inteiramente possuída pelas minhas peculiaridades.

E todos os meus rostos se me apresentam tão semelhantes, e tão diferentes, e tão inconstantes, e de fisionomia tão fugaz... que chego a me confundir e a duvidar que, entre tantos, esteja aquele que realmente me pertence.

E em espelhos que nada têm de metal e vidro é que me descubro capaz de distinguir meu verdadeiro reflexo. Estou ali, e aqui, e como é bela a minha face! Assim, imperfeita em sua fragilidade humana e inconteste, absoluta e irretocável na sua condição de obra tão representativa de mim, que sou rascunho... Definitiva e imune à ligeireza das circunstâncias, às faces outras que ousam mimetizar meus traços; a face que desbastei empunhando nas mãos a Vida disfarçada de cinzéis. Minha face. E me refaz o espírito a constatação de também pertencer a ela.

sábado, 26 de julho de 2008

Aviso aos (Maus) Navegantes

A Internet está cheia de gente em busca das mais diversas coisas e essas finalidades se revezam no mesmo indivíduo, embora uma delas sempre sobressaia. Há quem a utilize prioritariamente como ferramenta de pesquisa; outros têm como prioridade os blogs, outros os bate-papos, outras as conversas instantâneas, outros a pornografia... cada um sabe bem o que faz da sua vida e isso é perfeitamente aceitável contanto que não desrespeite o espaço de outras pessoas. Mas há quem utilize a Internet como forma de dar vazão às próprias perversões e ultrapassa todos os limites, seus e de quem tem a infelicidade de ser alvo da sua falta de bom-senso.

Tive que retirar meu MSN do perfil do blogger (coisa que nunca tinha tido NECESSIDADE de fazer) por conta de um desses sem-noção. O cara me adicionou e o primeiro e-mail que manda é uma insinuação chula sobre a minha vida sexual (como se fosse da conta de alguém)... as poucas conversas no MSN foram sempre direcionadas para sexo, apesar da minha insistência em dizer que não me interessava manter esse assunto com ele. Até que um belo dia recebo um e-mail do cidadão dizendo (como se me interessasse) que havia SE MASTURBADO lendo um comentário que deixei em um dos blogs que visito. Para mim, foi o fim: não blogo para arrumar parceiros sexuais, o que escrevo não tem a menor relação com isso e não tolero grosseria, deselegância e desrespeito à minha inteligência e à minha condição de mulher. Depois de colocar os pingos nos “is” (como vcs podem ver no diálogo abaixo), bloqueei e excluí.

J. diz:

FLAVINHA

J. diz:

BOA TARDE

Flavita diz:

boa tarde

J. diz:

TUDO BEM?

Flavita diz:

não

Flavita diz:

que e-mail foi aquele????

J. diz:

QUE HOUVE?

J. diz:

QUAL?

Flavita diz:

me explique vc

J. diz:

NÃO SEI DE QUE SE TRATA...

J. diz:

ME FALE ALGO PARA VER SE FOI EU

Flavita diz:

o e-mail era seu

Flavita diz:

assinado por vc

Flavita diz:

dizendo sobre um comentário q eu fiz no ménage

Josadac diz:

AHHHHHH

J. diz:

E O QUE EU DISSE DE TÃO GRAVE ASSIM?

Flavita diz:

vou ser mais clara

J. diz:

É BOM

Flavita diz:

nunca te dei liberdade pra falar assim comigo

Flavita diz:

já disse que não gosto

Flavita diz:

não me interesso pela sua intimidade

Flavita diz:

não tem nada a ver me mandar e-mails pra dizer o que vc faz ou deixa de fazer

Flavita diz:

nem me conhece direito

Flavita diz:

essa atitude me agride

J. diz:

TÁ... TUDO BEM!!! NÃO MAIS VERÁS QUALQUER COMENTÁRIO MEU

J. diz:

SEM PROBLEMAS

Flavita diz:

é bom

Flavita diz:

pq não sou o tipo de mulher que curte essas gracinhas



Nunca havia tido esse tipo de problema. O que me espanta nisso tudo – além da cara de pau do sujeito – é que ele é casado, pai de família e, segundo seu currículo (bendita Internet que nos dá possibilidade de descobrir mundos e fundos sobre as pessoas, inclusive endereço e telefone, antes que elas tenham tempo de piscar os olhos - CSI perde), possui “graduação em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (1989), Mestrado em Ciência Política (1998) e Doutorado em Sociologia (2006), ambos pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professor Adjunto da Universidade Federal de Sergipe. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Comportamento Político, e na área de Sociologia atuando como pesquisador nos seguintes temas: religião, novos movimentos sociais, gênero, sexualidade e politização da vida e da morte.” Ou seja, é uma pessoa esclarecida (ou que pelo menos deveria ser) quanto aos limites da convivência saudável tanto nos meios reais quanto virtuais. Apesar disso, ele mantém esse comportamento inconveniente não apenas comigo, mas com VÁRIAS blogueiras, uma delas minha amiga (leiam aqui o post dela sobre isso), e teve o topete de mandar um e-mail do mesmo teor para outra, tão amiga quanto (depois de ter AFIRMADO que não faria mais essas gracinhas).

É por esse motivo que decidir publicar esse post. Para deixar todo mundo alerta e para dizer ao senhor, Sr. Josadac Bezerra dos Santos (assim bem completinho para ninguém correr o risco de NÃO encontrar esse texto quando pesquisar no GOOGLE sobre a sua pessoa), que eu não estou aqui para isso - e, mesmo que estivesse, certamente não abriria espaço para alguém como vc. Quero na minha vida quem me acrescente, não quem me desrespeite. Se vc tem problemas - como vc mesmo afirmou - VÁ SE TRATAR. Se não estiver a fim de virar uma pessoa sã e preferir continuar nessa vidinha, deixe a mim e às minhas amigas em paz, esqueça nossos blogs e vá aprontar das suas em outra freguesia. Não estamos aqui para fazer caridade virtual com homens sexualmente frustrados.


P.S.: Os comentários continuam como sempre, sem moderação. Nunca tive problemas de natureza alguma, nem com visitantes anônimos - todos os visitantes que por aqui passaram até hoje sempre foram de uma educação acima de qualquer crítica - portanto, moderar os comentários seria desrespeitá-los, mas o bom e velho DEL nos eventuais abusivos continua valendo.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Além

Do (in) visível.

Soundtrack: The Gentle Waves - Pretty Things*






Nada mais havia. O mundo era, então, aquele: o que eu jamais vira, e sempre estivera ali, finalmente se impunha diante de mim transfigurado no reflexo dos meus olhos. Eram os meus pés pisando a leveza daquele espaço cheirando a passado e terra molhada, fertilizada de chuva e de sonhos iminentes nas pontas dos dedos.

O mundo era, então, aquele – e nele entranhei minhas raízes e quis, como as árvores que, de braços estendidos, ofereciam à eternidade do céu matizado de mormaço e quase-chuva a verdura dos cabelos, desfazer-me em cores e ressurgir seiva, fruto, Tempo repousando o cansaço do corpo sobre a granítica sinuosidade do velho banco de pedra, esquecido do fardo de ser Tempo. Oferecer meu rosto a cada pequenino diamante de água a escorrer, impune, além da matéria bruta das emoções empedernidas. Mais, muito mais que ver, eu quereria ser.

Nada mais havia. O mundo era, tão somente, sons – e meu espírito escorava-se no seu timbre lúdico, harmonizado com o ritmo lânguido e compassado das pálpebras cerradas daquela tarde morna, absorvida em serenidade inviolada. O mundo era não mais que ali: pedras, chão, cores, silêncio e o misterioso sopro de vida a me possuir, gentil, todos os sentidos. E eu, que tanto quereria ser aquele mundo, inteiro recolhido nos meus olhos, enfim me reconheci parte dele – uma vez que o descobrira, definitiva e inquestionavelmente, imiscuído na palma das minhas mãos.


*Quem curte Belle & Sebastian e ainda não conhece The Gentle Waves não deixe de dar um play na música. A banda é um projeto paralelo da vocalista do B&S, Isobel Campbell, e mistura várias influências musicais - inclusive a brasileiríssima bossa nova. O resultado é surpreendente. Fica a dica ;)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Íris

Do que pulsa no peito.

Soundtrack: Etta James - Stormy Weather





Quando me dei conta de que os meus olhos têm a tua cor, éramos meu coração e eu, apenas, repousando sob o céu calado de um dia completamente azul, salpicado da memória dos teus sorrisos – e havia o teu rosto em cada cristal de luz que me acariciava os cabelos. Era a paz dissipando a tempestade germinada das minhas dúvidas mais ferozes, aquelas norteadas para uma estéril busca de sentido no que não admite razão. Nesta paz tão súbita e tão familiar não cabe razão alguma, nem entendimento, nem outras desnecessidades dessas inutilmente ansiadas – e que discernimento pode ter alguém cujo coração parece assim pequeno diante de paixão tamanha mas que se redimensiona, se agiganta na intenção de abrigar o que não tem medida?

Quando me dei conta de que a tua presença é maior do que qualquer ausência presumível, quando me dei conta de que me deixar consumir pelos receios é inútil – porque te trago irremediavelmente entranhado no corpo e na alma – meu coração acalentado inundou de paz os meus olhos cor-dos-teus-detalhes. Sem questionamentos me entreguei à vontade desse pulsar de origem indefinida, irradiada do melhor que tenho em mim, e já não me oculto sob a armadura das dissimulações: vou, apenas, prescindindo de lógica, abandonando artifícios, ignorando destinos – são as tuas mãos que me abrem os caminhos.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Carta Para C.

Dos invernos rigorosos.

Soundtrack: Jet - Look What You've Done



Hoje acordei sem vontade de trocar as flores na janela. Vejo-as murchar e perder o viço, percebo seu olhar quase como um clamor; ainda assim, permaneço impassível diante da vida que lentamente se esvai diante de mim.

O jardim está cheio de mato, o verde daninho se confundindo com os amarelos, azuis, carmins e violetas que, um dia, fizemos germinar com o calor de nossas mãos. Há beleza mesmo nessa desordem – a mesma desordem que se insinua no meu espírito como um ladrão à noite desde que seu sorriso se transformou em simples e desconcertante lembrança. É a primeira primavera sem borboletas. E, dentro de mim, esse inverno teimoso e interminável me gela a alma.

Desta janela posso observar as roseiras. Não há mais perfume; o aroma fresco e inebriante, aquele aroma adocicado que nos arrebatava para além de nossos sentidos, se foi. Resta um rubor pálido nas pétalas ressequidas pela tua ausência. Teu olhar contemplativo, tua inquietude, tua melancolia adoravelmente única eram o orvalho fértil que as fecundava de amor.

Os espaços parecem multiplicados por dez, por mil. Meu corpo é como um templo vazio: belo, suntuoso, de existência inútil diante do não te haver a me habitar. Que faço com todas as horas, e sonhos, e tesouros que guardei para ti? Que faço com esse jardim que era teu muito mais do que meu, visto que cada botão de flor era nada mais que um sorriso teu a brotar em mim, eu, que sempre fui terra sequiosa de tuas sementes?

Não irei à tua procura. Tampouco espero que retornes. És agora como a sensação leve e palatável de um delírio. És agora minha contradição, minha ausência mais presente, a realidade perfeita como um sonho, o sonho imperfeito como a realidade. As flores na janela, o jardim, a primavera, as borboletas, o inverno, o inverno, o inverno. Não espero teu retorno. Apenas espero.


Publicado originalmente no extinto blog Cotidianidades
em setembro de 2007. Ficção. Eu-lírico, gente, só ;)

terça-feira, 8 de julho de 2008

Obituário

Meu PC morreu.

Resultado: vou passar um tempo indeterminado sem dar as caras por aqui. Se der, apareço pra visitá-los.

Ódio dessas maquininhas. Por que cargas d'águas os PC's não podem ser confiáveis como as antigas Olivetti?

Boas férias pra quem estiver de férias, bom julho pra todo mundo e meu "bem vindo" a quem aportar por aqui na minha ausência - assim que terminarem as minhas férias virtuais forçadas eu dou notícias.

Já disse que tenho ódio dessas maquininhas?


Beijos ;)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

De Repente... 30!


Passando pra dizer que fiquei muito feliz ontem, dia 6 de julho, por tanta gente ter lembrado de dar um alô pra aniversariante da vez - yo! Foram tantos os telefonemas, tantos os recadinhos, tanto chamego, tanto carinho... muito, muito obrigada a todos. Tê-los comigo nesse dia com certeza o tornou infinitamente mais bonito. São 30 anos, gente... 30!

E esse é só o começo. Que tenhamos ainda muitos e inesquecíveis anos pela frente, na deliciosa companhia uns dos outros.

Beijos! ;)

P.S.: foto tirada pelo mano durante o almoço em família. Coca-cola com gelo, claro. ;)

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Confissão

Dos segredos não tão secretos.

Soundtrack: Led Zeppelin - All My Love




De mim escorrem veneno e bálsamo. Fecha os olhos: sou teu fim e teu começo, vês? Cala-te, escuta o som que despedaça tua ignorância: é o pulsar das minhas veias a gritar que és tu o sangue que as alimenta.

Do meu silêncio escorrem palavras que antes jamais ousei proferir. Nascem de mim, de um canto obscuro no meu coração – coração que interpreta a vontade das deusas que fiam o desejo dos amantes. Ouve. Ouve, e não me condenes por te ver além dos olhos.

Toca meu corpo: ele queima. Incendeia-se em uma fúria doce e se desfaz como nuvem ao contato das tuas carícias imaginárias. Agita-se em uma inquietação trêmula, quase febril, diante da iminência de cruzar o exíguo espaço que se interpõe entre a tua boca e a minha. Toca meu corpo, e deixa que tuas mãos me revelem sôfregas o que sentes.

És capaz de sentir-me perto de ti? Pois ouve: é assim que te sinto – presença, cheiro, gosto, respiração, pulsação. Pele, fluidos, alma, som, música. Invasão, delírio, sentidos, turbilhão, avassalamento. Destilo tua essência para que te embriagues com o sabor insensato da minha. Fecha teus olhos: verás minhas formas surgirem sinuosas nos teus devaneios mais secretos; verás meus anseios e desejos confluírem submissos na tua direção... e verás o que jamais viste, mas que nesse instante é tão absurdamente ostensivo que já não se deixa ocultar: verás que sou tua, incondicional e irremediavelmente, inteira e confessa, absorvida pela loucura estranhamente lúcida de te pertencer antes mesmo que me possuas.

Vê quem eu sou. Vê o que sou: pão, vinho, leito, mulher. Vê o Tudo que te ofereço. Toma-me. Bebe-me. Embebe-me de ti. Multiplica-me. Ama-me.

Ouve, toca, cheira, sente, devora. Olha minha face – a face desarmada e limpa que te confronta em confissão. Olha minha face, e além dela, e além de mim, e além de ti. Olha-me: vês? És tu...