segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O Primeiro a Gente Nunca Esquece!


Soundtrack: Peter Björn and John - Young Folks


E finalmente o Sabe de uma Coisa?, neste 31 de dezembro de 2008 (decidi antecipar as comemorações por motivos óbvios e porque estarei viajando entre 30 de dezembro e 4 de janeiro), completa seu primeiro aniversário! Ao longo desse tempo e das 123 postagens no ar muita gente passou por aqui, leu, comentou, não comentou mas virou leitor, se identificou, se acumpliciou, se emocionou, se divertiu, refletiu, chorou, riu, se espantou com a minha tendência a trocar o layout como quem troca de roupa, se correspondeu comigo por e-mail, me adicionou no Orkut e no MSN, me puxou as orelhas na época das minhas ameaças de blogcídio, muita gente me deixou fazer parte da sua vida e passou a fazer parte da minha, muita gente fez, aconteceu e interagiu com esse espaço e é em parte responsável por ele estar comemorando esse primeiro ano de existência.

Ao longo desse um ano foram muitos aprendizados, trocas, compartilhamentos, muito amadurecimento e crescimento em todas as esferas. E eu só tenho a agradecer a todos vocês, amigos, vizinhos, seguidores, leitores esporádicos, à galera que sempre faz um pit stop pra comentar, à galera que não comenta mas que está religiosamente por aqui e, por último porém não menos importante, aos comentaristas anônimos - que mesmo preferindo continuar no anonimato são os anônimos mais legais do mundo e sempre deixam uma palavra de carinho - pela sempre fantástica companhia e por terem feito essa pequena blogueira que vos escreve desrespeitar as fronteiras de Belém do Pará e, literalmente, rodar o mundo:



Este mapinha - printado do contador de acessos - mostra os lugares onde esse blog foi lido ao longo de 2008. Muito obrigada ao pessoal de norte a sul deste Brasil, Portugal, EUA, Japão, França, Holanda, Reino Unido, Alemanha, Espanha, Itália, Suíça, Canadá, Peru, Emirados Árabes, Nigéria, Moçambique, Turquia, Áustria, Bélgica, Egito, Nova Zelândia, África do Sul, Paraguai, Cabo Verde, México, Argentina, Irlanda, Indonésia, Nicarágua, Índia, Chile, Finlândia, Senegal e tantos outros que levaram o Sabe de uma Coisa? pelos quatro cantos do planeta!


A todos vocês que fazem parte disto, eu agradeço - pelo carinho, pela companhia, pela amizade, pelo crédito... por estarem sempre comigo e por provarem dia após dia que esse negócio de dividir as pessoas em virtuais e reais é uma grande balela, pois o calor humano é algo que ultrapassa a fronteira dos pixels. A cada um minha admiração, meu respeito, amizade e gratidão. Feliz Ano Novo pra todo mundo, que esses 365 dias que virão sejam dias de paz e de grandes alegrias para todos nós.

Nos vemos em 2009. ;)

Beijos!


sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Sobre Amor e Outras Luzes


Soundtrack: Eels - My Beloved Monster




Ontem, 25 de dezembro, Natal, fui trabalhar como de costume - porque médico não tem feriado nem dia santo e porque eu simplesmente não consigo deixar de passar no hospital para avaliar os pacientes internados. A verdade é que nem precisava ter ido já que o plantonista que segura as pontas nessas datas estava por lá, mas fui - e, depois de passar a visita nas enfermarias, resolvi dar uma esticada até o shopping mais próximo a fim de pegar um cinema, coisa praticamente impossível durante a semana. Nada de filmes-cabeça ou produções oscarizáveis: a idéia era assistir a algo leve e sem grandes pretensões além de entretenimento, e eu já estava quase comprando o ingresso quando vi que Marley & Eu, adaptação para as telas do best-seller homônimo de John Grogan, dirigida por David Frankel (de "O Diabo Veste Prada") e que conta com Owen Wilson e Jennifer Aniston no elenco, estava estreando no circuito e que faltavam apenas alguns minutos para o início da primeira sessão. Li o livro há alguns meses e, coincidentemente, li anteontem a resenha do filme na edição de dezembro de uma das revistas que assino - e já havia mesmo me apaixonado irremediavelmente pelo incontrolável e desastrado labrador cuja história, verídica e contada pelo dono, serve como pano de fundo para uma viagem pelos caminhos e descaminhos que regem as relações entre humanos e animais e, sobretudo, entre humanos e humanos.

Marley & Eu não é um filme sobre cachorros, apesar de o seu protagonista ser um endiabrado porém adorável "bichinho" de 4 patas: o labrador de 50 kg é do tipo que destrói todos os móveis, monta nas pessoas, faz xixi em lugares inapropriados, arrebenta portas por medo de trovões, rompe paredes de compensado, baba nas visitas, arranca roupas de varais vizinhos, come praticamente tudo que vê pela frente - incluindo revestimentos de sofás, jóias, um telefone e uma secretária eletrônica - e que torna todas as tentativas de adestramento um grande fiasco. No entanto, mesmo sendo tão desajustado, Marley está longe de ser - como sugere o subtítulo do filme - o pior cão do mundo: da mesma forma que recusa qualquer limite ao seu comportamento, seu amor e lealdade também são ilimitados. Marley, à medida em que transforma a vida dos Grogan em uma fonte inesgotável de confusões, se torna um devotado membro da família e mostra que o amor incondicional pode vir de várias maneiras - algumas mais estabanadas, é verdade, mas nem por isso menos incondicionais ou menos leais. Marley & Eu, mais do que a história de uma família e seu animal de estimação, é uma história sobre amor, sobre amar alguém cheio de defeitos, como todos nós, e ser amado por esse ser; sobre o quão feliz e rica pode ser essa convivência desde que deixemos os senões de lado. É quase impossível não simpatizar com o grandalhão, não se acumpliciar com suas travessuras e não se deixar cativar por seu coração puro.

Marley & Eu é uma história para todas as idades, lindamente despretensiosa como igualmente o são os amores gratuitos, esses que nascem e independem de razões para existir. É uma história sobre tolerância, comprometimento, amizade e incondicionalidade - que ultrapassa a relação entre homem e animal e estende profundas raízes para o campo das relações interpessoais, que tantas vezes esbarram em reservas tão inúteis quanto castradoras. Uma história, talvez, sobre vida e morte, e sobre os laços que realmente importam nesse percurso que fazemos entre essa existência aqui, tão única com suas alegrias e dores, e o instante de apagar-se dela. Uma história para rir, para chorar, para se emocionar, para pensar e, sobretudo, uma história para não ignorar nem esquecer.

Ainda dá tempo de desejar um Feliz Natal, não? Afinal de contas, Natal é todo dia, desde que estejamos de coração aberto ao verdadeiro significado dessa data... Então Feliz Todo Dia a todos, e um 2009 carregado de 365 dias de boas energias e de amor em overdoses, minha gente, muito amor pra todo mundo!

Beijos!

___________

UPDATE:

Minha mãe, passando por aqui para ler minha opinião sobre o filme - já que a intimei a assisti-lo - deu uma risada e saiu-se com esta: se esse Marley fosse uma pessoa, sem dúvida seria você. Até o olhar é igual. Mães... quem pode com elas?



segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Inviolável Humanidade

Demasiadamente, embora.

Soundtrack: José González - Heartbeats



Entre todas as estranhezas que me fizeram te amar, eu talvez tenha amado demasiadamente mais a mais banal – aquela de cuidar a urgência como se fosse uma tua velha amiga que se achegava a ti mordendo o lábio provocativa, e que quase infantil deitava-se no teu colo e abraçava-se ao teu pescoço e se confundia inteira contigo a ponto de não se saber onde um começava e o outro terminava, a tua urgência sempre foi uma fêmea voraz. Eu, por isso, talvez, a tenha amado. Eu talvez a tenha amado porque ela te possuía, era incontida e maior que tu, era ela quem falava pela tua boca quando a tua língua se descontrolava e galopava frenética em frases despedaçadas por pequenas pausas delituosas – e, nesses silêncios pontuais, era a tua meteórica paciência pensando, pesando-me, eu sabia, eu sempre soube. Eu sempre soube que a tua pretensa força era o que te fazia sofrer. O que eu não soube, e sequer poderia – porque o caótico desalinho entre nossas expectativas nos fez verter dias afins em tempos antagônicos – é que o teu pretenso sofrimento era também o que te fazia forte.

Eu talvez tenha amado demasiadamente a mais banal, e amei em grande parte porque me assustam essas coisas raras que desaparecem com a mesma velocidade com que despontam e deixam esses ecos vazios na memória atônita, essas ranhuras cicatriciais que nunca fecham porque estamos sempre a esgarçá-las com os dedos sujos – de saudade, de desespero ou de algum outro desejo vão escondido sob as unhas, esperando a hora de se disseminar febril. Os meus dedos não conhecem sossego, a minha pele nunca está intacta, eu nunca estou intacta e, de fato, quem está? Eu demasiadamente amei a mais banal embora todas as tuas estranhezas me fizessem sentir uma mulher comum, mas extraordinariamente comum como nunca houve outra, eu era extraordinariamente única porque as minhas próprias estranhezas sobressaíam entre o que eu acreditava ser o meu melhor, embora não fosse – o meu melhor é o que veio depois, o que rasguei na carne quando num acesso de fúria espantei das vértebras as falsas virtudes que, como traças, me roíam os traços mais reais.

Os traços mais reais – embora essa vida seja uma ficção e a verdade se esconda em um canto inviolável da humanidade que nos cumprimenta zombeteira diante do espelho quando esquecemos a porta aberta.


_________________

José González é sueco, filho de argentinos, canta em inglês e sua música lembra o que seria um folk à la Nick Drake com João Gilberto. Suas influências contemporâneas são Elliot Smith, Joe Pernice e Kings Of Convenience, mas sua voz evoca a de cantores clássicos da história da música pop como Mark Eitzel e Mark Kozeleck. A faixa Heartbeats integra o álbum Veneer, lançado na Suécia em 2003, ponto de partida para que González ultrapassasse a fronteira musical da Escandinávia e ganhasse as paradas da Europa.

Quanto ao texto, não custa enfatizar: FICÇÃO. E não tentem se - ou me - convencer do contrário!


segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Aquele Outro Caminho

Quando foi? Eu nunca aprendi.

Soundtrack: Ingrid Michaelson - Breakable



Estou estranhamente calma, tão diferente de antes, quando cada passo meu beijava o chão como um gemido enviesado de dor. Não há falta. O que há eu não sei, talvez de fato nem haja nada para saber e isso não é ruim, é como cair em um precipício em slow motion: não dói nada, não dói, nem cansa. E até já me desafeiçoei àquela mania de catalogar sentimentos por cores porque eles escorregam uns nos outros dentro do coração trespassado por uma flecha desenhado a dedo no espelho embaçado do banheiro, mas lembra, eu te havia mesmo dito que um dia tudo perde a cor - e tu, talvez, não me tenha compreendido porque falei com os olhos marejados de sussurros mas sem arriscar palavra, enquanto teus olhos injetados de algum sentido que eu não alcançava lambiam o dia volátil estendido diante da outra janela. Eu te havia mesmo dito que não precisava de ti para absolutamente coisa alguma mas que essa completa e lúdica inutilidade tua na minha vida só me fazia te querer mais, e era tão pateticamente bom, e foi nessa hora – tenho certeza – que todas as coisas que eu pretendia verbalizar se acotovelaram indóceis na ponta da minha língua e viraram um soluço fosco, e por isso eu disse apenas “me ajuda a te entender”. As perguntas que escondi sob o colchão permanecem lá, as respostas eu não sei; talvez perambulem sem se descobrirem respostas naquele outro caminho, o de antes, o que era meu e teu quando éramos tu e eu, e quando fomos tu e eu? Porque este caminho, este caminho atropelado por pequenos descuidos, este é ou meu, ou teu, ou da mulher que escarra esperanças viciadas na esquina de um amor que não veio, pobre mulher, quem sabe eu tenha te livrado de um mal maior. Porque essa vida, esse lapso de vida que nos ladeia hoje, é uma viela estreita, quase estrangulada, e não cabemos lado a lado sem nos ferir mutuamente – e aquele atalho que um dia risquei com os cabelos no travesseiro enquanto revisitava teu rosto antes de dormir se perdeu, desnorteava um pouco cada vez que outra saliva nutria tua boca e te acomodavas entre outras pernas, e que as minhas próprias pernas conheciam outras posses e eu alimentava ao seio outras sofreguidões, eu nunca aprendi a te ler.

Eu nunca aprendi. Quando foi que nos vimos pela última vez?


__________________

Ingrid Michaelson é uma cantora e compositora nova-iorquina que faz um som indie-pop/folk e tem músicas nas trilhas sonoras de Grey’s Anatomy (olha aí os seriados médicos outra vez) e One Tree Hill. A faixa Breakable faz parte do álbum Girls and Boys, lançado em 2007.


domingo, 14 de dezembro de 2008

Bélica

Eu me compartilho.

Soundtrack: Cary Brothers - Ride


Sou um verbo pagão de carne e osso, de alma púrpura confluente para intenções insones. Este corpo pequeno não me contém; este corpo pequeno se estende além, me escapo e viro um rastro inquieto, crescente em corpos alheios. Necessito invadir e tomar conta e ser eu-embora-noutros, por outros, eu me compartilho inteira com quem couber nessa ciência de partilhar-se descuidando reservas – e só, porque o que sou não cabe em insuficiências, tenho essa natureza que rejeita fragmentos e restrições. Eu me compartilho, egoísta inconformada, quero-me aqui e lá e em qualquer lugar, invado e me deixo invadir numa simbiose quase bélica. Guardo nas dobras da pele os calores de outras peles e minha voz é vincada das inflexões de outras vozes mas, ainda assim, me pertenço, e somente a mim – e sendo dona de mim é que ato as rupturas níveas de solidão rasgadas na minha história, e que desato meus nós com os dedos ágeis de quem tece seus próprios caminhos ainda que às escuras, tenho destinos e sonhos riscados nas digitais. Verbo pagão vertendo alma. Sou imprevisível, não sou consensual: existo litigiosamente.


_________________

Cary Brothers é um compositor e cantor americano de indie rock que ficou conhecido com a canção Blue Eyes, incluída na trilha sonora do filme Garden State. Suas músicas também apareceram em vários seriados como Scrubs, Grey’s Anatomy e ER. A faixa Ride faz parte do CD Who You Are (2007), do EP Waiting For Your Letter (2005) e da soundtrack do filme The Last Kiss (2006). Fica a dica.


sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Live and Let Die

Quanto você viveu hoje?

Soundtrack: The Fray - How to Save a Life




O que não nos mata nos fortalece.

Das verdades relativas, talvez seja essa a mais pródiga em polimentos auto-sujestionantes nem sempre condizentes com a complexidade dos fatos – ao menos com aqueles relacionados às pequenas mortes disfarçadas do dia-a-dia, dessas que nos roem os ossos com tanta sutileza que mal deixam entrever que, em pouco tempo, não haverá sobrado muita coisa para fortalecer.

Pequenas mortes são persuasivas e dissimuladas, é difícil lhes dizer “não”. Pegam-nos desprevenidos, talvez porque surjam das pequenas dores cotidianas para as quais raramente estamos preparados, tão ocupados somos sempre em nos blindar seletivamente para sofrimentos gigantescos, lancinantes. Pequenas mortes nos interceptam pelas frestas abertas em nossas frágeis armaduras de isolamento emocional e, nos espaços deixados por entre os reveses da vida, vão se entalhando, se infiltrando no inconsciente até se tornarem um estilo de viver – ou de quase-viver. Porque pequenas mortes aprisionam justamente o que caracteriza a vida em sua acepção menos fisiológica, porém mais importante: ter – ou buscar – um motivo lúcido pelo qual seguir vivendo. Pequenas mortes têm mãos geladas que nos esmorecem os ímpetos do espírito e nos fazem reféns de nosso próprio medo – medo de sentir, medo de sofrer, medo. Medo.

Pequenas mortes são paradoxais – insidiosas, morre-se de dentro para fora. Testam os limites do coração, desafiam a perseverança humana em se permitir acreditar que ainda vale a pena acreditar, mesmo sem saber exatamente em quê. Tolhem o livre arbítrio dos nossos sentimentos, porque pequenas mortes são egoisticamente racionais: se não há o que sentir, não há pelo que sofrer, e já se sofreu tanto nessa vida, qual o sentido em sofrer mais, não é mesmo? Trancamos-nos em esquifes de ceticismo indiferente e seguimos assim, no piloto automático, levando. Apenas levando. Simplesmente porque é mais fácil – embora, na verdade, o mais fácil seja indiscutivelmente o mais difícil.

E apesar de tudo algumas dessas pequenas mortes, por incrível que pareça, podem ser a tábua de salvação capaz de nos resgatar da castração emocional imposta pelo medo do sofrimento. A capacidade de sentir talvez seja a moeda mais real nesse mundo de valores a cada dia mais irreais, e alguns sofrimentos são inevitáveis e até mesmo necessários para que não nos desumanizemos por completo. São as pequenas coisas que fazem a vida doer, mas a dor existe para gritar que algo não vai bem – e, certas horas, para matar a dor, é preciso morrer com ela. E são essas, as pequenas mortes deliberadas no intuito de matar o que nos faz morrer, os ritos de passagem que proporcionam os grandes renascimentos pessoais. São essas as pequenas mortes que podem salvar uma vida – aquela vida que, muitas vezes, nem lembramos que ainda temos.



____________________

Intervalo mais curto do que eu planejava, ok, minha força de vontade beira o negativo, mas a verdade é que eu adoro isso aqui e morri de saudade de todo mundo nesse tempinho out-blogger... muito obrigada à galera toda que me mandou e-mails de protesto e, ao mesmo tempo, de apoio e cheios de mensagens legais e de votos de boa sorte, aos que o fizeram lá no MSN e aos amigos que estão comigo independentemente das minhas loucuras, me senti muito querida!

Pra comemorar, tem postagem minha também lá no Espasmos, uma dessas histórias que só acontecem comigo, dessa vez dentro de uma agência bancária. Nos vemos por lá.

Beijos a todos!


sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A Última.

Quando o que não se diz é o que fala mais alto.

Soundtrack: Noa - Eye in the Sky



Eu gostaria que esta fosse uma carta de amor. Gostaria de te escrever para contar da minha vida; para dizer que ontem entrei naquela velha loja de discos – aquela ao lado da padaria onde compraríamos pães de queijo e biscoitos de nata nas manhãs de sábado e domingo – e ouvi incontáveis vezes a música que escutaríamos juntos e que talvez embalasse nosso sono, nossas tardes de preguiça fazendo nada, fazendo tudo. Ou para dizer que, entre duas páginas do meu livro preferido, pude ver – em meio aos parágrafos e aos hiatos brancos, tímidos, do papel escorregado sob a negra tinta – as entradas do filme a que assistiríamos na noite em que o carro pifaria sem gasolina na esquina da tua rua e caminharíamos até a tua casa debaixo de chuva, de mãos dadas e rindo, brincando de chutar as poças de água, e estaria frio, muito frio, e nos aqueceríamos entre beijos macios e lençóis quentes, entre beijos quentes e lençóis macios. Para, talvez, te contar do meu emprego novo ou que me mudei outra vez – agora para a tal casinha pequena por fora e grande por dentro, com teto alto e janelões azuis encimando as jardineiras, do jeito que eu sempre quis – e que os móveis, surpreendentemente, chegaram na data prevista, uma segunda-feira, e que não precisei passar o resto da semana fazendo as refeições numa lanchonete embora não goste de cozinhar somente para mim.

Eu talvez te contasse que o cachorro enfim desistiu de esconder os chinelos inadvertidamente esquecidos pela casa e que, finalmente, as roseiras que plantei me deram alguns botões de rosa; vi essa manhã que haviam nascido, quem sabe se encorajem e virem flor – nunca soube quanto tempo levam para desabrochar, não sei se um dia ou dois, ou mais. Ou que o carteiro continua entregando minha correspondência na casa do vizinho – mesmo em novo endereço, algumas coisas nunca mudam. Ou que o médico indicado, naquele churrasco, pelo rapaz de óculos com cara de adolescente cujo nome não me recordo acertou em cheio no tratamento da minha insônia embora não seja neurologista ou psiquiatra, e sim cardiologista, e que não bebo mais tanto café. Ou que ganhei uma festa surpresa no meu último aniversário com direito ao bolo de nozes de que tanto gosto e velas assopradas num só fôlego depois de fazer um pedido, que não posso contar ou não se realiza e que eu, que tanto gosto de bolo de nozes mas não como doces, saí da dieta porque seria uma tremenda indelicadeza não provar um pedaço do meu próprio bolo de aniversário.

E nem sei quantas outras banalidades eu contaria; só sei que gostaria de não estar chorando dessa maneira enquanto te escrevo esta carta. E te escrever esta carta é tão doído porque, mesmo não sendo uma carta de amor, não deixa de sê-lo – e eu, que tanto te amei, e talvez siga te amando enquanto viver apesar de todos os amores que ainda virão, nem melhores nem piores, apenas outros amores com outras músicas e filmes e livros, e outras lembranças e nomes, gostaria de te pedir “fica”, mas não o farei. Eu gostaria que esta fosse uma carta de amor, mas esta carta – que nunca vais ler, pois a escrevo muito mais em mim do que para ti – é a maneira que encontrei de me despedir da parte tua que permanece comigo, pois nunca deixei que partisses completamente. E, agora, preciso que vás. Eu abdico do futuro que jamais teremos em nome de um presente que é apenas meu. A tua história já não cabe na minha; a minha história precisa voltar a caber em mim. Esta é a última carta de todas aquelas que nunca te enviei e que nunca lerás, a não ser no meu silêncio e nessa distância continental que se inscreve entre o que nunca nos dissemos, entre o que nunca faremos. Preciso que vás; eu fico – e, de certa forma, em outra direção, eu vou também.


______________

Um pequeno P.S. para o Sr. Anônimo que, nos comentários do post anterior, declarou que me adora mesmo com tudo que vem na mala (e eu espero que a "mala" não seja eu): a mesma curiosidade que matou o gato pode, fácil fácil, matar uma blogueira sem poderes adivinhatórios. Que tal voltar e revelar pra nós sua identidade secreta, hein? ;)

Ótimo fim de semana pra todo mundo!

E Edu, obrigada pela música :)


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Persuasão

As minhas reticências te gritam, indiscretas.

Soundtrack: PJ Harvey - The Slow Drug



Tento me persuadir de que toda essa urgência em te alcançar, toda essa vontade do teu toque – vontade que me acelera a respiração, e me intumesce e preenche úmida a boca quando tento adivinhar o gosto do teu beijo – eu inventei. Inventei o arrepio insolente, rebelde a contenções, que me eriça cada centímetro de pele quando minha memória, desavisada, pronuncia teu nome; inventei meu corpo dolorido, tenso, ansioso por ti, e esse rosto que teima em sorrir com as tuas tolices, e esse descompasso no peito em sincronia com o sangue que lateja nas minhas veias e corre lânguido quando dizes “vem”, ou quando escancaras teus instintos. Tento me persuadir de que esse encanto que faz os meus olhos escuros se inundarem das tuas cores, essa paixão que rejeita limites, esse ímpeto de conhecer cada mínimo detalhe teu, eu inventei.

Tento me persuadir e falho, e sempre falho; ao contrário, me convenço de que meu espaço é qualquer um onde eu esteja embebida da tua saliva e dos teus olhares – e meus lábios estremecem ligeiramente, cúmplices da certeza de que tudo o que um dia foi medo é hoje vontade de estar contigo. Porque eu necessito dessa imprudência de te querer sem medida, eu necessito da doce violência dos teus desejos, eu necessito estar nas tuas mãos, pequena e entregue, entrelaçada nas tuas carícias e nos teus dedos longos, eu necessito beber gota a gota a tua presença e tatuar o teu cheiro nos timbres que vibram desse querer-te ora vertigem, ora mansidão.

Pois quer meu corpo respingue desejo ou transborde ternura eu estou sempre em ti, querido, em algum lugar fora de mim.