segunda-feira, 27 de abril de 2009

F.

Acontece que, no meu plantão de sábado à noite no Pronto-Socorro, fui chamada às pressas no meio de um atendimento para socorrer uma garota vítima de agressão física. A moça me aguardava na sala de sutura, trêmula, pálida do susto e da perda sanguínea importante, com as roupas ensanguentadas e a camiseta rasgada, o trapo de pano que envolvera a mão direita largado sobre a maca enquanto os enfermeiros tentavam limpar o ferimento e estancar a hemorragia. Ao me ver, ela esboçou um sorriso e me olhou como se pedisse desculpas por estar ali me dando trabalho, pois ela mesma, uma vez, me disse que eu deveria trabalhar menos e descansar mais - F. é minha paciente no programa Saúde da Família e, aos 17 anos, é mãe de um bebê de 6 meses, de quem também cuido no programa de puericultura. Perguntei-lhe o que havia acontecido; ela contou que fora agredida pelo marido a golpes de facão e, ao tentar se defender, a lâmina atingiu em cheio a mão direita, seccionando vasos, nervos, músculos e tendões do segundo, terceiro e quarto dedos.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Status: Online

O mundo ficou maior ou menor?

Soundtrack: Ludov - Princesa




É assim, Fulano.

Eu não me espanto com quase nada nessa vida. Mas ainda me espanto com essas novidades que não respeitam geografia e ultrapassam os circuitos eletrônicos e cerebrais para se estatelarem nos sentimentos, mesmo sabendo que sentimento é naturalmente wireless – vai e vem num fluxo desordenado que desafia a gente e faz inusitados pontos de acesso sintonizarem na mesma freqüência, isso eu sei. Porém, pense comigo: nessa faixa estreita que afina a freqüência entre transmissor e receptor, quando devidamente sincronizados, o resultado é a manutenção de um único canal lógico, certo? Um único canal lógico. Lógico? Onde a lógica disso, Fulano?

Olhe bem aí para o seu monitor. O que você vê? Eu vejo o seu rosto colorido, pontilhado de infinitos pixels e me custa crer, me custa crer que é tamanha a distância, é um espanto. É difícil ser blasé quando o mundo fica pequeno até caber num www para se espalhar nessa tal de banda larga e, mesmo assim, ainda continuar a ser esse mundão grande de meu Deus. Antes, digital tinha o tamanho das pontas dos dedos; hoje, Fulano, os dedos não cabem mais nas nossas mãos, os dedos criaram olhos e pés que se emaranham alucinados por entre os zeros e uns dessa selva binária. Agora me diga, Fulano, o mundo ficou maior ou menor?

Olhe bem aí para o seu monitor, Fulano. Você me vê? A resposta é: não. O que você vê é uma projeção espectral que alguém inventou para a gente acreditar que não está tão só. O que você vê não respira e não tem cheiro, não sonha e não dá risada. O que você vê, Fulano, o que você lê, são os meus pensamentos convertidos na estática frieza desses signos gráficos, um pobre esboço de mim aí nesse quadradinho no canto da sua tela – por maior e melhor que seja a sua resolução. Os meus olhos são cristal líquido distinto do LCD. Portanto, Fulano, me dê licença de fechar essa janelinha em plano americano e de desconectar essa falta que nos faz um pouco menos de tecnologia, e venha cá me ver – em carne, osso e algo mais. Porque eu não consigo raciocinar em bits e bytes, e o meu coração ainda faz tum-tá.


Outubro de 2008.

Texto antigo, contexto novo,
desconectado para experiências virtuais.



No Creo en Brujas, Pero que Las Hay...

Então, mesmo pra quem não acredita em oráculo, a dica do fim de semana é o site da Revista Planeta. Vejam o que eu encontrei por lá:

Sorte no realejo: "Tua juventude tem sido travessa, sem medires os perigos que te podiam surgir. Mas o tempo passa, e com ele seu siso, o dente do juízo, vai crescer e implantar seriedade na tua cabeça. Nascida sob uma feliz estrela, a tua felicidade será constante, até o ponto de poderes te chamar filha da fortuna. Andarás sempre com gente muito honrada. Viverás muito tempo e gozarás de uma sorte completa."

Vidas Passadas: "É a imagem de uma mulher dando a luz. Indica que em alguma vida anterior você foi um bebê que nunca alcançou a idade adulta.

Missão: trabalhar sua maturidade. Uma atitude que lhe permita tomar decisões equilibradas é o que mais terá que desenvolver.


sábado, 4 de abril de 2009

Para Quando Você For Embora de Mim

"Perdi um saco de cacos.
Quem encontrar, não precisa me devolver."

Patrícia Lage

Soundtrack: Duffy - Warwick Avenue





Para quando você for embora de mim eu guardei um tom lilás de mudança - qualquer coisa entre o azul e o vermelho, nem feliz nem triste, calmo. Tranquilo. Eu guardei uma paz sutil como a lucidez que se insinua cuidadosa entre as pulsações de um coração agressivamente cego, coração ferrão de vespa que investe e fere e se deixa ficar e nem sabe que é ele a causa e o efeito da própria dor. Eu não tenho mais sonhos de vidro, os deixei por aí - para que, quando você for embora de mim, eu não mais fira meus dedos com tantos cacos. Eu guardei, para quando você for embora, um sorriso intacto, de mim para mim, desmemoriado, de existência presente e egoisticamente apenas minha - que o que passou não existe mais; eu guardei, em algum lugar entre o azul e o vermelho da mudança lilás derramada sobre o dia, um instante que me revelaria ao pé do ouvido quando você já não estivesse aqui, e hoje eu ouço esse sussurro suave e lento feito canção.

Para quando você for embora de mim eu me guardei, inteira.