domingo, 27 de outubro de 2013

do lado de dentro.

Imagem: Bailey Elizabeth (in deviant art)

Há algo sempre comigo. 

Nestes dias, principalmente. A vida segue quase comum - tudo igual, exceto essa coisa que está sempre comigo e que, agora, mal se restringe a me fazer companhia. Não sei dizer seu nome. Não sei dizer o que me provoca - comoção, angústia, tristeza, raiva, euforia, orgasmo. Uma iminência, um pressentimento, talvez. Seja lá do que for. Roo as unhas enquanto tento delimitar um espaço entre mim e esta coisa. Inútil; nem ela e nem eu nos habituaríamos a outras presenças, ou a presença nenhuma, nos momentos em que é preciso levar as mãos ao peito e comprimir com firmeza para que o coração não salte e se choque com a palavra paralisada entre os dentes. Esta coisa é quem limpa minha sujeira quando os sentimentos me evisceram. Esta coisa é que segura minha mão quando medos íntimos me violentam no meio da noite. Há tanto tempo me falta jeito para dizer amor ou delicadeza, mal me lembro se um dia foi fácil e deslizou através dos meus lábios como se tivessem carne de cetim. Roo as unhas, mordo as pontas dos dedos, arranco um pedaço do que faz meus olhos verterem casulos e perscrutações. Não há nenhum ruído lá fora, quase ouço o que se passa dentro de mim - mas esta coisa, esta que permanece comigo consistente e vígil como um cão de guarda, obscurece o silêncio cada vez que, de olhos fechados, me observo e insisto em me cobrar: quem é você?

Roo as unhas, meus dedos sangram um pouco. A dor me salva de (me) saber.




quinta-feira, 24 de outubro de 2013

DA HABILIDADE HUMANA DE JOGAR PEDRA NA GENI


Tenho visto um auê danado em torno da separação de um casal lindo, bem-sucedido, perfeito e famoso. Segundo a mídia, o motivo da separação seria uma moça igualmente linda, bem-sucedida, perfeita e famosa, mas que, ao contrário da esposa traída - alvo de toda solidariedade por parte da mídia e da opinião pública - é "uma puta rodada". 


Traição é algo desnecessário, doloroso, feio, essa coisa toda? É. Quem já foi traído sabe. Eu sei, porque já fui, então aprendi na pele, como aprendi algumas outras coisinhas:

1) Nenhum casal, mesmo lindo e bem sucedido, é perfeito.

2) Ninguém obriga ninguém a trair seu parceiro. a moça que está sendo chamada de "puta rodada" provavelmente não ameaçou o cônjuge alheio com armas, blackmails ou frases do tipo "transe comigo senão vou matar toda a sua família" a fim de que o rapaz dormisse com ela.

3) Machismo e déja vu caminham de mãos dadas na sociedade brasileira - e, infelizmente, esse "passeio no bosque" está a anos-luz de ter um fim. A esposa traída é sempre a vítima; a amante é sempre a puta desgraçada destruidora de lares; o marido sempre sai à francesa da história sem um arranhão. o homem que trai, trai porque é homem. A mulher que trai, trai porque é vagabunda. e a mulher que se sujeita a ser a outra é nada menos que o anticristo.

4) Nenhum relacionamento termina exclusivamente por causa de uma terceira pessoa. O buraco que mantém - ou deixa de manter - duas pessoas juntas é muito, muito mais embaixo.

Menos hipocrisia aí, sociedade.


(que fique claro que em nenhum momento estou fazendo apologia de traição. já fui traída, e sei que é algo que dá início a um processo muito doloroso de juntar os cacos de tudo o que é destruído dentro de nós quando passamos por isso. só estou dizendo que toda traição é multifatorial, como todo relacionamento também é, como indivíduo também é.)



segunda-feira, 21 de outubro de 2013

só pensando.

antes, rezava a lenda, todo mundo tinha um pouco de médico e louco. hoje, graças à internet, todo mundo tem um pouco de médico, louco, jornalista, cientista político, social media, voyeur e babalorixá. 

bom ou ruim? depende de quanto tempo você passa - e do que você procura - olhando pelo buraco da fechadura. ou daquilo que você mostra ao deixar, propositalmente, uma fresta da janela aberta.